Mulheres da revolução sacudiram a sociedade egípcia:
Claire Talon
No Cairo (Egito)
Lana Lim
Kholoud Bidak puxa seus cachos cor de ébano, pouco menos de três
centímetros de cabelos crespos que lhe dão um ar rebelde e estranho. Nas
ruas que cercam a praça Tahrir, ela cultiva com um prazer malicioso a
arte da ambiguidade: tênis, jeans bem justo, moletom tamanho
extra-grande, piercing, tudo isso envolta em um elegante xale de lã.
“Esses três centímetros mudaram minha vida”, ela diz, apontando para
seus cabelos. Isso porque, há alguns meses, nos combates de rua que
cobriram o Cairo de sangue, eles eram ainda mais curtos. Com suas formas
generosas, sob seu capuz e seu keffieh (lenço), ela parecia muito um
rapaz: “uma criatura”, ela conta, divertindo-se.No Cairo (Egito)
Lana Lim
Milhares se reúnem no Egito para celebrar queda de Mubarak
Foto 2 de 18 - 04.03.2011
- Milhares de egípcios voltaram a se reunir na praça Tahrir, no Cairo,
para comemorar a derrubada de Hosni Mubarak do poder e ouvir o discurso
do novo premiê egípcio, Essam Sharaf. O governo do Egito anunciou que
realizará um referendo sobre mudanças na constituição do país no dia 19
deste mês Mais AFP
As egípcias estiveram presentes em massa nas manifestações e nos combates dos 18 dias de revolução que derrubaram a ditadura de 30 anos de Hosni Mubarak. Centenas de mulheres participaram ativamente dos confrontos ultraviolentos que ocorreram. O que permanece sendo inédito são os arranjos identitários feitos em meio à fumaça entre as “criaturas” encapuzadas da revolução.
"Mulheres atrás!"
No dia 3 de fevereiro de 2011, Kholoud Bidak foi detida por quatro homens do regime, na entrada da praça Tahrir, que acharam que ela era um homossexual. Eles a espancaram e a cobriram de insultos. Como ela gritava, dizendo que era mulher, eles lhe baixaram as calças, tocando seus genitais para verificar. Depois tiveram pena dela e a deixaram partir, arrasada. Nos dias seguintes, ela viveu experiências menos violentas. “Nos combates, muitas vezes acontece de rapazes virem me paquerar pensando que sou gay”, ela declara rindo. “Uma vez, vimos uma menina desenhar em si mesma um bigode engraçado antes de entrar em combate, por pura ironia”.Assim como Kholoud Bidak, nas praças públicas, jovens usando ou não o véu foram despidas, espancadas e submetidas a infames “testes de virgindade” pelos militares, mulheres mais velhas foram surradas, com o hijab grudado na testa pelas descargas elétricas, dezenas de manifestantes sofreram sangramentos vaginais e anais devido ao gás lacrimogêneo. Foi toda uma violência do Estado, antes confinada aos cárceres do regime, que, pela primeira vez na história do país, se abateu em público sobre as egípcias. Isso é o suficiente para sacudir por muito tempo o contexto atribuído às reivindicações feministas pelo dirigente deposto e sua esposa.
Em uma sociedade pega entre os clichês impostos pelas redes de televisão comerciais e islamitas e onde o feminismo se tornara uma das armas de terror do Estado, as mulheres sofrem com uma feminilidade convencionada cuja imagem não poupa as revolucionárias.
Isso porque as meninas tiveram de lutar para poder lutar. No mês de fevereiro, os revolucionários fizeram barreiras para impedi-las de ter acesso às linhas de frente. Eles gritavam: “Mulheres atrás!”, e as levavam à força para trás. “Mas houve uma grande mudança na sociedade. Todo mundo simpatizou com a menina de sutiã azul que foi despida e espancada no chão pelos militares. Isso desencadeou enormes manifestações, sendo que, antes, a primeira reação teria sido dizer que ela deveria ter ficado em casa e vestido mais roupas.”
Desde então, nos muros das cidades, os sutiãs azuis vêm brotando como cogumelos. Sinal de que as revolucionárias já passaram por cima da masculinização muitas vezes imposta às combatentes. Bem além, também, de um certo discurso “feminista”. Elas tiveram a quem puxar. Antes delas, várias gerações de ativistas lutaram para evitar as armadilhas estendidas pelo feminismo de Estado e pelo islamismo. Com a revolução, elas passaram a lutar lado a lado, sendo que as menos jovens não têm poupado suas forças na batalha. “Sou gorda e muito elegante”, explica Ekram Yousef, que, aos 55 anos, é uma figura histórica da oposição egípcia. “Mas, desde o dia 25 de janeiro, corro como corri da polícia de Sadate em 1977!”
As jovens gerações, no entanto, claramente se distanciaram do nacionalismo das mais velhas, que muitas vezes as levaram a negar a necessidade de uma luta específica sobre a questão da mulher. “A maior parte dos partidos políticos não têm nenhuma consideração pelas mulheres”, suspira Kholoud Bidak. “Eles têm um discurso feminista, mas suas interações conosco são totalmente patriarcais. No fim, você nem tem mais vontade de ser mulher, você só tem vontade de ser livre.”
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