Na década de 1960, o movimento hippie apareceu disposto a oferecer uma visão de mundo inovadora e distante dos vigentes ditames da sociedade capitalista. Em sua maioria jovens, os hippies abandonavam suas famílias e o conforto de seu lar para se entregarem a uma vida regada por sons, drogas alucinógenas e a busca por outros padrões de comportamento. Ao longo do tempo, ficariam conhecidos como a geração da “paz e amor”. Eles representavam vários movimentos a favor da paz, desde a guerra contra o Vietnã até a luta contra o Apartheid na África do Sul.
Nesta década, os Estados Unidos começava a vivenciar um momento de transformações advindas de novas mentalidades. Crescia a descrença no modelo econômico e político, questionavam-se os benefícios da sociedade industrial. Uma parcela da população recusava-se a pagar impostos por discordar do destino dado ao dinheiro, jovens resistiam à prestação do serviço militar. Justamente neste contexto de insatisfação, surgiu – especificamente na Califórnia – o movimento hippie, que materializava as características da contracultura.
Os hippies formavam um mundo à parte, colorido ao gosto deles. Diferenciavam-se dos outros pela aparência: cabelos agressivamente compridos e roupas exóticas. Seus protestos eram pacíficos, as manifestações tinham slogans alegres e possuíam o hábito nada comum de distribuir flores durantes as passeatas. A conduta hippie se fundamentava numa filosofia de “Paz e Amor”.
Adeptos de um modo de vida comunitário queriam viver perto da natureza e procuravam organizar comunidades agrícolas baseadas no trabalho manual. Respeitavam as questões ambientais, a emancipação sexual e a prática do nudismo. Simpatizavam com religiões orientais como o budismo e o hinduísmo. Opunham-se à Guerra do Vietnã, ao nacionalismo, ao patriarcalismo, ao militarismo, ao poder governamental, ao capitalismo, às corporações industriais, à massificação, ao autoritarismo e aos valores que, segundo sua concepção, eram ilegítimos.
O misticismo, o psicodelismo e as drogas justificavam a oposição ao racionalismo. Tinham três eixos de movimentação: da cidade para o campo, da família para a vida em comunidade e do racionalismo cientificista para os mistérios e as descobertas das coisas místicas.
Contrários aos ideais da sociedade daquela época, os hippies tinham uma filosofia guiada por mestres espirituais orientais, cultuavam a natureza, viviam em comunidade e apreciavam a utilização de drogas como LSD, maconha e mescalina. Eram contra a propriedade privada, sempre vistos viajando em trailers ou vivendo em conjunto com seus iguais. Pregavam a inexistência de nações ou fronteiras separando os países. Para eles, o mundo seria de todos e cada um deveria buscar sua própria paz espiritual.
Contrários à religião cristã, acreditavam que o paraíso deveria ser encontrado durante a vida, daí, o lema adotado, “Paradise Now” (Paraíso agora). Eram contra punições e a favor da busca pelo prazer, fosse pela espiritualidade ou pelas drogas. Outro de seus lemas mais conhecidos era “Peace and Love” (Paz e Amor), um dos mais difundidos da cultura hippie em todo o mundo.
Entre os gurus da comunidade hippie naquela época, o de maior destaque foi Timothy Leary, conhecido como o guru do LSD. Leary era professor da Universidade de Harvard, mas foi proibido de lecionar por incentivar seus alunos a fazerem experiências com a droga.
De acordo com Leary, a experiência com o LSD levava a uma viagem de domínio da consciência. Segundo ele, ainda era limitado o alcance e o conteúdo desta experiência, mas, ao embarcar, transcendíamos dimensões de identidade, ego, tempo e espaço.
O poeta Allen Ginsberg pode ser considerado como um dos progenitores deste movimento. As palavras escritas foram usadas para exprimir a sua frustração protestando contra aquilo que consideravam estar errado no mundo, tendo ficado conhecidos como a "Geração Beat".
Quem se toma por essa rasa descrição dos hippies, esquece de que muitos deles não se portavam simplesmente como um bando de hedonistas, drogados e alheios ao que acontecia ao seu redor. Ao longo da década de 1960, junto do movimento negro, os integrantes dessa geração discutiram questões políticas de grande relevância e se organizaram para levar a público uma opinião sobre diversos acontecimentos contemporâneos.
Conseguindo mobilizar uma enorme quantidade de pessoas, os hippies lutaram pela ampliação dos direitos civis e o fim das guerras que aconteciam naquele momento. Em várias situações, a influência das autoridades sob os meios de comunicação acobertavam a discussão que se desenvolvia, para assim reforçar os comportamentos marginais dos hippies. Não raro, a força policial era acionada para que esses “desordeiros” fossem retirados do espaço público.
Foram os hippies que trouxeram o movimento para as universidades e a universidade de Berkley tornou-se a mais conhecida, e também polêmica devido a isto. Por exemplo, em 1964, devido ao Movimento pela Liberdade de Expressão, os responsáveis por Berkley proibiram a distribuição de material de protesto fora dos portões da universidade. O estudantes recusaram e a polícia foi chamada: a decisão de levantar processos aos estudantes levou-os a ocupar o edifico principal da universidade. Em Março de 1965 os estudantes da Universidade de Michigan levaram a cabo a primeira ação com o objectivo de mostrar que a guerra do Vietnã era imoral e que os EUA a deveriam abandonar.
O movimento estudantil contestava injustiças sociais tais como o racismo, a pobreza, inferioridade direitos das mulheres, a falta de liberdade de expressão. A guerra do Vietnã começou gradualmente a ser contestada. Os protestos e manifestações tornaram-se frequentes, por vezes em confrontação com a polícia.
Entre os grandes confrontos do movimento hippie, podemos destacar a mobilização feita na Convenção Nacional Democrata, ocorrida entre os dias 26 e 29 de agosto de 1968, na cidade de Chicago. Sob a liderança de Abbie Hoffman e Jerry Rubin, a chamada “Festa da Vida” contou com vários episódios em que o cenário político norte-americano era criticado. Entre tantas outras ações de deboche, os hippies lançaram um porco (chamado de “Pigasus”) como candidato a presidente dos EUA.
O clima de tensão entre os policiais e os manifestantes logo esquentou, e a pancadaria tomou conta do lugar. Vale lembrar que, um pouco antes do acontecido, a mortes de Martin Luther King e Bob Kennedy já esquentava o clima de tensão entre os conservadores e liberais. E isso foi só o começo, já que a insatisfação pioraria com a eleição de Richard Nixon (1969 - 1974), um presidente de clara orientação conservadora.
No dia 4 de maio de 1969, outra grande luta aconteceu na Universidade de Kent State, em Ohio. Dessa vez, os hippies e outros estudantes mobilizaram-se para protestar contra a manutenção dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã e a recente invasão norte-americana ao Camboja. Nesse protesto, a fúria das autoridades governamentais foi ampliada com a convocação da Guarda Nacional para conter o evento. Ao fim da luta, ocorreu a morte de quatro pessoas e outras nove ficaram feridas.
CONTRACULTURA:
A forma diferente de manifestar e a temática nada comum – paz e amor, em vez de luta contra a fome e a miséria – davam à contracultura um ar de alienação. Não se restringia ao local; o movimento tinha proporções continentais, dizia respeito a toda uma aldeia global. O que se contestava eram os tabus morais e culturais, os costumes e padrões vigentes, enfim, as instituições sociais. Propunha-se novas maneiras de pensar, sentir e agir, criava-se outro universo com regras e valores próprios.
Uma característica notável é que este movimento não se baseia na luta de classes. A contracultura encontra no jovem o seu intérprete e o seu motivo mais forte. Foram grupos de jovens brancos das camadas médias urbanas que iniciaram os protestos. Justamente eles, que tinham acesso aos privilégios da cultura dominante.
Nesta luta, o jovem negro tornou-se importante aliado, porque historicamente, já era símbolo de rebeldia contra o sistema americano. O conflito de gerações foi intenso e começava na família, bem como era marcante a consciência etária (oposição jovens/ não-jovens). Mesmo assim, alguns teóricos e gurus possuíam idade avançada.
Tudo começou na década de 1960. Os EUA vivenciava um período de pós-guerra, com a corrida armamentista e o acirramento das lutas raciais. As transformações socioeconômicas advindas com a criação do Estado do Bem Estar Social provocaram mudanças nos hábitos e comportamentos juvenis. Eles tiveram que se adaptar radicalmente à tecnocracia (sociedade gerenciada por especialistas técnicos e modelos científicos), que resultava numa realidade mecânica e desprovida de qualquer impulso criativo. Diante deste contexto, os jovens procuraram “cair fora” (drop-out) e criar sua própria cultura.
Além da ampliação dos cursos superiores que favoreceu a concentração de estudantes em espaços de discussão, as manifestações contraculturais descobriram na mídia uma potente arma para propagar os seus ideais. Os meios de comunicação em plena expansão aproximavam os jovens e universalizavam os novos valores. Aliás, foi a imprensa norte-americana quem deu nome ao movimento que nascia nos EUA, florescia na Europa e chegava, com menor intensidade, na América Latina.
Por ser uma resposta à cultura massificante do Ocidente, era de se esperar que a contracultura tivesse características bastante incomuns para a época. Com caráter fortemente libertário e questionador, repreendia as políticas de esquerda tradicional e discordava dos princípios capitalistas e sua economia de mercado, daí o anticonsumismo.
Os meios de comunicação em massa, especialmente a televisão, foram amplamente criticados: um ponto contraditório, se considerada a relevância destes meios enquanto difusores do movimento. Além disto, qualquer tipo de violência ou conflito era repudiado, por isso, a busca pela paz.
Plantou-se uma nova concepção de família, casamento e relação sexual, a qual admitia liberdade nestes relacionamentos. Pregava-se a vida comunitária e a valorização da natureza, sendo o vegetarianismo, opção à alimentação natural. A religiosidade ocidental foi posta em xeque com a aproximação das práticas religiosas orientais, principalmente o budismo. Colocou-se em voga o respeito às minorias raciais e culturais. Para completar, a experiência frequente com drogas psicodélicas.
Não era difícil identificar a “tribo”. Os “rebeldes sem causa” ou a “juventude transviada” apresentava sinais evidentes: cabelos compridos, roupas coloridas, misticismo, rock, viagens de mochila, drogas, orientalismo. A aparência, o modo como se vestiam ou não (eram adeptos da nudez) e o penteado caracterizavam o novo “personagem”.
Como não encontraram respostas na luta política, canalizaram o protesto para outras áreas. Buscaram nas artes o espaço que desejavam e foram bem-sucedidos nisto.
Os primeiros passos da contracultura surgiram com a Geração Beat: poesia anti-intelectualista com tradição boêmia. Mas foi a música, a via de maior alcance.
Folk, blue e rock’n-roll expressavam, através de suas letras, a rebeldia e o descontentamento. A tentativa de ingresso na política se deu com a criação do Youth International Party (Partido Internacional da Juventude). Já o Maio de 68 representou o ápice dos movimentos estudantis. Também são desta época os grandes concertos musicais de Woodstock e Altamont. No Brasil, a Tropicália de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethania é um bom exemplo.
Alguns dizem que a contracultura assumiu duas vertentes. Uma delas é a atitude hippie, onde o confronto é o distanciamento da sociedade comum. Na outra, assume-se um caráter militante, clandestino e até terrorista, é o estereótipo do guerrilheiro.
Em síntese, a contracultura é uma anticultura. Surgiu como antídoto para a cultura tradicional. Para alguns, a afirmação e a sobrevivência de uma significava a negação e a morte da outra. Pensamento radical, pois não há contracultura sem uma cultura a ser contestada. O movimento pregava menos discurso formal e mais prática informal. Queria provar que, mesmo as lutas ideológicas e pacíficas podem obter sucesso.
Em meados dos anos 70, a contracultura começou a perder seu vigor. De fato, o desejo revolucionário foi mais marcante do que o acontecimento revolucionário em si. Na realidade, a mobilização contestou mais do que venceu, imaginou mais do que transformou, expressou mais do que organizou. As mudanças que se queria não ocorreram. Mesmo assim, suas heranças são perceptíveis. A luta pela igualdade de direitos para as minorias (mulheres, homossexuais, etc), as passeatas contra as guerras e em favor do meio ambiente, assim como movimentos anti-racistas e pela legalização das drogas são resultado destas mobilizações.
Parece inseparável da contracultura o clichê “sexo, drogas e rock’n-roll”. Falar deste assunto sem vinculá-lo às palavras de ordem: “Paz e Amor”, “É Proibido Proibir”, “Aqui e Agora”, “Gozem sem Entraves”, “Paradise Now” é impossível. É necessário abandonar valores próprios para entender aqueles “cabeludos”, “psicodélicos”, “motoqueiros”, “andarilhos”, “malucos”. Porque como cantou Caetano Veloso em sua música Vaca Profana (nome bem sugestivo, não?), de perto, ninguém é normal.
WOODSTOCK E ALTAMONT: ENTRE O CÉU E O INFERNO
Há 45 anos o mundo via tomar corpo, voz e expressão, o espírito independente de uma geração de jovens descontentes com os padrões sociais que guiavam suas vidas. John Roberts, Joel Rosenman, Artie Kornfeld e Michael Lang não imaginavam as proporções que aquele evento, inicialmente preparado para 50.000 pessoas, alcançaria em todo o mundo. O Festival de Woodstock foi, sem dúvida, a maior manifestação que a contracultura realizou ao longo dos tempos.
Enquanto quase 500.000 pessoas se reuniam em uma fazenda no Condado de Sullivan, mais precisamente na cidade de Bethel, o mundo vivenciava os horrores da Guerra do Vietnã e a chegada de Neil Armstrong à Lua, tudo isso sobre o tabuleiro da Guerra Fria. Todos esses fatos, somados ao espírito produzido pelos acontecimentos de maio de 1968 na França, inspiraram nas pessoas, sobretudo nos jovens, um acalorado sentimento anti-guerra.
Apesar dos fatores políticos terem grande importância no desenrolar dos acontecimentos que culminaram no Woodstock, a maior contestação daqueles garotos e garotas eram as regras sociais que trilhavam o “processo civilizatório” no qual eles viviam. A repressão que a sociedade exercia (e ainda exerce) em relação ao que lhe parece estranho ou foge aos padrões ditos normais, foi muito bem representada por esse festival. Lá as pessoas eram livres para cultuar o amor da forma que quisessem, usar as drogas que quisessem, enfim, agir como quisessem. Estas atitudes podem ser consideradas por muitos como libertinas e sem valor social. Porém o que aqueles jovens queriam provar era justamente que podiam fazer de seus corpos o que bem entendessem, exatamente pelo fato de serem seus. Logo as regras sociais não teriam mais voz ativa em suas vidas, porque tinham o livre arbítrio para tomar as decisões que lhes pareciam mais certas. Mesmo que estas decisões não pudessem ser aceitas pela grande maioria, como não o foram.
Apesar das chuvas torrenciais que ocorreu o festival, ele conseguiu alcançar seu objetivo, que era chocar a sociedade com um movimento pacífico, mais na linha da desobediência civil. As roupas, os cabelos e a nudez comunicaram tanto quanto as músicas que continuam tocando em nossos ouvidos, imortalizadas nas vozes de Janis Joplin, Jimi Hendrix e The Jefferson Airplane, entre tantos outros participantes do Woodstock. De certa forma a magia desses três dias de liberação continua viva entre nós e é reforçada pelos inúmeros festivais contemporâneos em sua homenagem.
JOE COCKER -With A Little Help From My Friends
Vídeo: Richie Cange
JOE COCKER -With A Little Help From My Friends
Porém, Woodstock logo seria associado ao episódio sangrento de Altamont. No final de 1969, os Rollings Stones resolveram promover um concerto gratuito aos seus fãs californianos para comemorar uma turnê bem-sucedida. Contrataram grupos famosos como Santana, Gratteful Dead e Jefferson Airplane e deram um caminhão de cerveja à gangue de motociclistas Hell’s Angels, como pagamento pela segurança do evento.
Superando as expectativas, cerca de 300 mil pessoas compareceram, causando congestionamento nas vias de acesso. O “inferno” em que Altamont se transformou foi reforçado pelo exagerado consumo de ácido, maconha, bebidas alcoólicas e bolinhas de anfetamina. No festival, presenciou-se muita violência, brigas e discussões. Saldo: quatro mortes. Duas pessoas morreram atropeladas, uma morreu afogada e um negro foi esfaqueado por um dos Angels quando apontou uma arma na direção do palco.
Altamont foi a antítese de Woodstock. O primeiro foi marcado pelo fim da Era Aquarius e por sentimentos de frustração, perplexidade e fracasso. Já o segundo foi, nas palavras de Abbie Hoffman, a “primeira tentativa de aterrissar um homem na terra”.
Respectivamente, resultaram nos filmes Gimme Shelter e Woodstock, tamanha a repercussão. Na memória das pessoas, Woodstock foi o bem e Altamont é o mal. Enquanto um foi a síntese do ideário propagado, o outro caracterizou a contra-utopia dentro da própria contracultura. Woodstock foi o sonho colorido, Altamont representou as nuvens negras do movimento. Desta forma, marcaram a história e, é assim que são lembrados: companheiros inseparáveis.
Rolling stones-Altamont 1969
Apesar de projetarem outra sociedade e buscarem novas formas de percepção, os hippies se colocavam como uma voz ativa contra algumas ações políticas da época. Sem dúvida, a inventividade deles ainda serve de exemplo para muitas pessoas que se preocupam com as questões de seu tempo e a garantia de seus direitos.
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