A
ascensão das forças navais dos países da Ásia-Pacífico lembra a corrida
armamentista que precedeu a Primeira Guerra Mundial na Europa, observam
os pesquisadores Robert Frank, professor de História das Relações
Internacionais na Universidade Paris-1, e Jean de Préneuf, historiador e
docente da Universidade Lille-3, que trabalha para o Serviço Histórico
da Defesa.
Leia a entrevista completa com os dois pesquisadores feita pelo jornal francês Le Monde.
Le Monde: As tensões no mar estão aumentando entre as potências. Elas podem piorar?
Le Monde: As tensões no mar estão aumentando entre as potências. Elas podem piorar?
Jean de Préneuf: As relações entre a China e seus
vizinhos são motivo de preocupação: a China tem realizado uma tremenda
modernização de sua ferramenta naval para reforçar sua liderança
regional! E seus vizinhos não ficam para trás, seja sobre ou sob a água.
Isso lembra a corrida armamentista naval na Europa antes de 1914. Não
se deve esquecer que as humilhações da história naval chinesa,
especialmente a da primeira guerra sino-japonesa de 1894-1895, ainda
estão vivas na memória.
Na corrida pelas matérias-primas, o bolo oceânico deve ser dividido
com os países emergentes. Eles estão se equipando com marinhas modernas e
numerosas, seja no Brasil, na Índia, na China, e até na Coreia do Sul.
Pensou-se que após a guerra fria os grandes confrontos no mar haviam
virado coisa do passado, mas isso está longe de ser verdade. Faz vinte
anos que as marinhas da Índia e da China competem para controlar o
acesso ao Oriente Médio.
Robert Frank: Estamos assistindo a uma multiplicação
no número de atores. Por enquanto, continua havendo uma dissimetria
entre a Índia e a China. Para a Índia, é a lembrança da derrota de 1962
para a China que permanece vívida. A questão do Mar do Sul da China é
típica. Em um plano racional, consegue-se ver bem a China indo o mais
longe possível, mas sem entrar em guerra. Mas podem ocorrer incidentes.
O Ocidente seria inevitavelmente afetado em caso de escalada. Os
grandes podem facilmente administrar a situação entre si. O perigo vem
da corrida armamentista entre os pequenos, entre os médios, entre
pequenos e médios, entre médios e grandes. O risco vem da relação da
China com seus pequenos vizinhos. Pode haver uma escalada em questões
como as Ilhas Paracel e Spratly. O imprevisível é o erro de cálculo,
como fez o presidente argentino Galtieri diante de Thatcher nas
Malvinas, em 1982.
Além disso, a emergência de atores não estatais no mar, especialmente
as ONGs, traz novas questões, como mostra a guerra contra a caça às
baleias ou os incidentes recentes entre a Turquia e Israel.
Le Monde: As batalhas navais como ocorriam no passado são pouco prováveis de acontecer?
Préneuf: Desde o fim das duas guerras mundiais, não
houve mais nenhuma batalha naval em grande escala. Mas a guerra fria foi
também um confronto global no mar, que na era nuclear e dos mísseis
ampliava as lógicas das batalhas do Atlântico e das grandes operações
anfíbias.
Na verdade, as guerras que empregam meios navais nunca pararam desde
1945. A lista é longa: desde a Coreia entre 1950 e 1953 até a Líbia em
2011. O mesmo vale para as situações de crise. A operação americana
Praying Mantis, no dia 14 de abril de 1988, aniquilou de uma só vez a
frota iraniana em resposta ao bloqueio do Golfo Pérsico pelo Irã.
Ela mostra que o mar continua sendo um espaço de conflito que envolve
países terceiros, mesmo quando eles não são beligerantes diretos. Foi a
guerra Irã-Iraque entre 1980 e 1988 que nos lembra que potências
secundárias podem causar grandes problemas para as grandes marinhas com
meios assimétricos, a começar pelas minas.
Frank:No Oriente Médio, a questão de Ormuz só se
coloca em termos de batalha aeronaval, e para isso seriam necessárias
marinhas equivalentes. Só que o controle dessa artéria vital também se
dá na água, pois depois de aprender com a experiência dos anos 1980, o
Irã modernizou sua frota e suas capacidades de ataques anti-navios a
partir da terra.
No Pacífico e na Ásia Oriental, a China está voltando a ascender, mas
é preciso levar em conta o fato de que ela tem outros trunfos além dos
meios militares para afirmar seu domínio. A marinha pode ser uma boa
ferramenta de dissuasão sem ser um trampolim para uma escalada. O papel
da ferramenta naval é garantir a segurança das linhas de comunicação e
mostrar sua força para que não aconteça nada. É, ao mesmo tempo, uma
ferramenta de projeção de poder que pode ser dissuasiva.
Le Monde: A questão da soberania volta a ser levantada: será
que ela resultará em uma corrida maluca nos oceanos ou em uma divisão do
mar?
Préneuf: A questão é levantada primeiramente pelos
recursos offshore. Lembremos que em 1904 a discussão mais difícil da
entente cordiale entre a França e o Reino Unido foi sobre a Terra Nova,
pelos direitos de pesca.
Hoje, a tensão volta a surgir nas Malvinas, agora que acaba de se
encontrar petróleo e que os preços estão no auge, segundo o mesmo
esquema de 1976 a 1982. Até agora, cada um tentava ampliar sua vantagem a
partir de seu território, na lógica das zonas econômicas exclusivas
definidas pela convenção de Montego Bay de 1982. Mas hoje a visão é
global.
Fonte: Le Monde
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