Desempenhando papéis, por Camila Nunes
Vemos
a cada dia aumentar a busca pelo autodescobrimento. Mais e mais pessoas
no mundo voltam a sua atenção para dentro numa frenética e constante
inclinação, advinda não se sabe ao certo de onde, mas que as impelem a
questionarem sobre a sua própria origem, sobre o porquê de estarem aqui e
para onde se irá quando for chegado o momento. Nas ruas inúmeros
cartazes alertam para o retorno do Mestre, notadamente os de conteúdo
protestante; arquivos oficias outrora secretos, agora nos são revelados
por variados governos no mundo; há pouco, o Vaticano declarou através de
seu canal oficial a existência de vida extraterrestre. Os fatos são
tantos e inéditos que num passado próximo não se vislumbrariam tais
ocorrências senão em sonhos. E tudo ocorre com uma velocidade
inacreditável.
Ditos
fatos e muitos outros, dizem a Espiritualidade, sinalizam apenas o fim
de uma era e o começo de outra. Há mais de 5 mil anos os toltecas já
previam essa inclinação da humanidade para a busca da espiritualidade,
registrando suas observações no calendário astronômico, posteriormente
denominado de calendário maia, um legado daquela civilização para esta que se imortalizou nas areias do tempo.
Mas o que é ser alguém espiritualizado? E o que é ser alguém espiritualista?
Parecem perguntas difíceis, mas não são.
Há
inúmeros conceitos arraigados no consciente coletivo que levam a
distinguir alguém espiritualizado de outrem que não seja tanto ou que
não seja de jeito nenhum. Um deles é alguém se comportar de maneira
mansa, tranqüila, não beber, não fumar, não sair...levar uma vida de
renúncias e abnegações por vezes vividas de forma prazerosa, por vezes
tortuosas, mas aparentemente praticadas.
E
vão rotulando essa ou aquela pessoa com o status de iluminado e
visualiza-se em torno dessa figura uma auréola daquelas concedidas aos
santos.
Criam
e recriam parâmetros com base em referências terrenas e se satisfazem
com elas. Passam pela existência como se uma vida imaculada tivessem
vivido e não se atentam para as possíveis surpresas que advém quando se
descobre que se viveu uma vida que não era a sua própria. Quão grande
sofrimento é dar-se conta de que a vergonha de ter sido quem era,
impediu de acender a luz que passou a vida inteira acreditando ter
despertado ou tentando fazê-lo.
Muitos são os que fogem de sua realidade interior. Poucos são os que assumem o que vêm e não buscam esconder-se dos outros.
Esta
não é uma carta aberta ao mal, à prática desenfreada de nossas
tendências e inclinações. É um alerta a necessidade imperiosa de
percebê-las, compreendê-las, e permiti-las ou não, conforme o caminho
que o ser decidir trilhar.
Para
se reformar uma casa é necessário conhecer a sua estrutura, os pontos
de fragilidade, aqueles que podem ser mexidos sem comprometer as demais,
e traçar um plano. Por onde começar a reforma, o que se vai reformar,
se ela toda ou parte dela, os materiais a serem empregados, quanto se
irá gastar e o tempo necessário à consecução da obra.
Da
mesma forma se processa a reforma em nosso interior. Cada tendência
deve ser criteriosamente analisada a fim de se perceber a necessidade de
mantê-la ou substituí-la. Os pontos principais também devem ser
escolhidos como tais. O exercício da tolerância, a aceitação e a
paciência com aquilo que ainda não pode ser alterado, seja por razões de
apego, maturidade, ou simplesmente por uma questão de prioridade, têm
importância primordial neste processo.
As
pessoas querem reformar-se de vez e não dão conta que o processo é
lento. Exigem mudanças bruscas e não aceitam mais certas tendências que
passaram milhares de anos a cultivarem carinhosamente pela repetição de
hábitos em seu interior, exigindo de maneira violenta a sua retirada
imediata.
E
assim vão vivendo desempenhando papéis; de mãe, de pai, de irmão, de
amigo, de filho, de alguém espiritualizado ou em vias de sê-lo, enfim.
Inúmeros são os papéis e vários são os cenários para representá-los,
todavia, esquecem-se de representar o papel mais importante na história
pessoal de cada um, o de ser o SER cujo papel assume ou, utilizando o
trocadilho, assumir o ser por trás do personagem representado.
Pare
e escute o silêncio que dele emana. Sinta a sua voz expressa no
silêncio que há por trás de tudo que você conhece ou pensa saber. Você é
alguém que a sua própria consciência desconhece. O seu maior papel é
descobrir-se atrás dos bastidores de sua peça teatral. Olhá-lo de frente
e reconhecê-lo por inteiro; aceitar e amar o espectro que surge, opaco e
encolhido de tanto ser escondido.
Descobrir-se
é o primeiro passo para alguém que busca o caminho da iluminação. Este
talvez seja o papel mais difícil de ser encenado; também o mais
glorioso, eis que conduz ao regozijo perene semelhante ao que sente o
descobridor de um grande tesouro.
Mostrar-se
sem receio de julgamentos. Assumir-se como individualidade em
construção. Reconhecer as virtudes e expressá-las; olhar para as
virtudes ainda não conquistadas e esforçar-se por adquiri-las. Não temer
em expressar-se; primeiro passo da escalada da melhora íntima.
Não
há como Espiritualizar-se violentando a si mesmo com mudanças bruscas
de hábito impostas meramente por ordenações partidas do cérebro físico.
Informação e consciência são coisas completamente diversas. De nada
adianta a renúncia se ela violenta ao renunciante. As mudanças devem
partir de uma sugestão amorosa advinda da consciência e não de uma mera
tentativa cerebral em se adequar a parâmetros considerados corretos.
Isto vale para todos os níveis. Há que se ter prudência e imposição de
limites, mas sobretudo discernimento e autoamor suficientes para se
saber até onde vai este “limite”.
A
cada tentativa verifica-se que o “limite” expande-se. E quando menos se
espera o corpo está pronto para a prática dos anseios da alma.
Olhem
para dentro enquanto vivem e dêm passos suportáveis às suas próprias
pernas. No entanto, exercitem-se diariamente para que estas pernas
adquiram cada vez mais resistência a fim de que em breve possam não só
darem grandes passos, mas pularem em direção ao despertar da
consciência.
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